Texto de: Rodrigo Serrano-Berthet*
Gostaria de iniciar este texto com uma afirmação que pode soar um pouco polêmica:
Os tomadores de decisões sobre segurança e justiça na América Latina e Caribe, em geral, não tem demonstrado muito interesse para saber se suas políticas funcionam ou não, se são efetivas ou não, para prevenir e reduzir o delito, a violência e a insegurança que assolam a região.
Não estou dizendo que eles não estão interessados, mas que eles não demostraram esse tipo de preocupação. Se o crime diminui, é por causa de suas políticas. Se o crime aumenta, é devido a fatores além de seu controle. A oposição apresenta argumentos opostos. A qualidade do debate público sobre a efetividade das políticas de segurança, muitas vezes, não excede em muito esse nível de sofisticação. E, como consequência, na maioria dos casos, não sabemos se nossas intervenções têm algum impacto na redução da criminalidade. Estou falando da média, é claro; sempre existem exceções.
Existem várias razões que ajudam a entender essa situação, mas antes de entrar nesse tópico eu gostaria de explicar em que me baseio para tecer essa afirmação.
Como medir o interesse governamental pela efetividade dos programas de segurança e justiça?
Sem pretender ser exaustivo, proponho três formas “grosseiras” de medir o que seria desejável encontrar.
1) Avaliações de impacto (quantidade, qualidade, financiamento, uso)
Se houvesse interesse na efetividade, a região teria milhares de estudos que avaliariam se era possível atribuir ao "programa x", ou à "medida z", qualquer efeito sobre o roubo, a violência de gênero ou o que quer que o programa procurasse impactar. Uma porcentagem significativa desses estudos seria de alto rigor científico em termos de inferência causal, e uma alta proporção deles teria sido apoiada pelo governo. Com o passar do tempo, observaríamos que os programas que funcionavam foram ganhando escala e aqueles que não funcionavam foram extintos.
Esse seria o ideal. Agora, vamos olhar para a realidade.
Para criar o Banco de Evidências, nós, no BID, estávamos fazendo uma pesquisa exaustiva sobre as avaliações de impacto existentes na região. Até agora, encontramos cerca de 200 estudos, dos quais cerca de 60 atendem a critérios de rigor científico para inferir causalidade.
Este não é um número desprezível, mas pequeno, na minha opinião, se considerarmos que a região tem 33 países que há mais de 20 anos implementam todos os tipos de programas de segurança em nível nacional e em milhares de governos subnacionais. Dos estudos que encontramos, apenas uma minoria foi financiada direta ou indiretamente pelos governos da região.
2) Desenho de programas informados por evidências
Se houvesse um interesse pela efetividade, cada vez que um novo programa tivesse que ser projetado ou uma nova decisão política tomada, o tomador de decisão teria procurado ser informado pelas melhores evidências científicas disponíveis sobre as causas do problema que queriam atacar e sobre as soluções que funcionaram para resolver tal problema. Eles os teriam adaptado ao seu contexto e projetado mecanismos ágeis de aprendizado iterativo. Tudo isso seria visto refletido nos documentos de projeto do programa e em seu sistema de monitoramento e avaliação.
Agora, vamos à realidade.
Há alguns anos fizemos um estudo que, embora parcial e imperfeito, nos dá algumas pistas. Em seis países da região, analisamos o desenho de 283 programas de segurança cidadã e descobrimos que apenas 8% incluíam informações sobre a evidência de efetividade do tipo de intervenção proposta.
Acesse o estudo completo aqui.
3) Capacidades organizacionais para aprender (Unidades de Análise Criminal)
Se houvesse interesse na efetividade, as organizações do sistema de segurança e justiça (órgãos policiais, promotorias de justiça, etc.) teriam Unidades de Análise Criminal robustas, com capacidade de analisar os padrões e causas dos problemas que buscam resolver, bem como testar soluções e medir a eficiência e efetividade das soluções alternativas em tempo real.
Não conheço estudos sobre isso, mas com base na experiência da equipe de segurança cidadã do BID, podemos dizer que, embora as Unidades de Análise estejam crescendo em número, em geral elas estão desconectadas do processo de tomada de decisão. O foco está na produção de relatórios estatísticos descritivos, e em pouquíssimos casos existem produtos analíticos voltados para a tomada de decisões gerenciais, muito menos para medir a efetividade das decisões tomadas.
Que barreiras dificultam o interesse pela efetividade em segurança e justiça?
Em outro blog, me perguntei por que as políticas de segurança e justiça em nossa região “foram orientadas menos pela ciência e mais por crenças, copiando o que parece popular, ou o que dá mais retorno político, dando espaço livre a ideologias e preconceitos de todos os tipos”.
Lá me concentrei em uma das barreiras: a dificuldade que dos tomadores de decisão em acessar a ciência, o conhecimento já sistematizado sobre o que funcionou e o que não funcionou. A Plataforma de Evidências e o Banco de Evidências buscam contribuir para fechar essa lacuna de acesso.
No entanto, esta não é a única barreira e nem a mais importante.
A barreira mais importante que explica o desinteresse pela efetividade é a baixa importância que se dá à prevenção do delito nas políticas de segurança e justiça.
As “desvantagens” da prevenção
O sistema de segurança e justiça tem duas funções principais: fazer cumprir a lei (ou reprimir o crime) e prevenir a ocorrência de crimes. Dessas duas funções, a repressão é a mais fácil e natural de cumprir e, portanto, a que costuma concentrar toda a energia das instituições. As agências de aplicação da lei na região, por exemplo, dedicam a maior parte do seu tempo a atividades reativas de resposta ao crime, como responder a chamadas de emergência, prisões ou investigações criminais.
Definir sua missão institucional em torno dessas atividades de controle tem várias vantagens: permite que uma agência policial atenda às demandas mais imediatas dos cidadãos, aos pedidos de ações visíveis dos políticos e o faça sem ter que depender de ninguém, além da própria organização, para alcançá-lo. Isso lhe dá um “argumento” para ignorar questões sobre a efetividade dessas ações na prevenção do crime. Uma prisão, uma chamada de emergência atendida ou uma investigação criminal concluída têm valor intrínseco e são uma parte essencial da missão policial.
E por que é “bom" não ter que responder a perguntas sobre a efetividade na prevenção do crime? Como a prevenção é difícil, pode levar tempo, não necessariamente gerar ações visíveis e exigir a cooperação de outras pessoas. E o risco de fracassar é maior.
Estou falando de prevenção feita de forma séria, não apenas colocando mais policiais em patrulha ou visitando escolas dando palestras sobre prevenção de drogas, assumindo que elas serão eficazes. A prevenção, levada a sério, requer questionar a efetividade, enquanto a "aplicação da lei" consegue justificar-se com base em medidas de eficiência.
O problema é que, para saber se uma atividade teve efeito preventivo, é necessário algum tipo de avaliação de impacto: não basta mostrar a quantidade de atividades ou produtos realizados. E essas avaliações de impacto carregam um alto risco para a organização: mostrar que o que eles fizeram não preveniu o crime ou, pior, que deixaram a sociedade com mais problemas do que antes.
Em síntese, o valor social de se fazer cumprir a lei pode ser medido através de “produtos” que estão sob o controle das polícias. O valor social da prevenção só se pode medir através de “resultados” que, via-de-regra, estão fora do controle das polícias.
Então, como organização, por que eu me importaria seriamente com a prevenção se estou muito mais confiante e confortável em me limitar ao meu papel de "aplicação da lei"?
O valor social da prevenção
A principal razão para isso é que qualquer cidadão prefere mil vezes mais não ser vítima de um crime do que ter sua chamada de emergência atendida, ou o criminoso preso ou investigado. Do ponto de vista do valor para a sociedade, reduzir e prevenir a criminalidade é muito mais importante do que reagir a ela.
As forças policiais mais modernas do mundo já entenderam isso e dão à prevenção um papel central em seu trabalho. Abordam cada uma de suas tarefas (incluindo o controle) com uma lógica preventiva. Isso obviamente inclui o destacamento da polícia no território, onde o efeito na prevenção do crime pode ser zero (se mal feito) ou implicar entre 30% e 40% de redução se forem adotadas estratégias de policiamento em pontos quentes.
Porém, mesmo no trabalho repressivo, predomina uma visão preventiva e, em vez de investigar crimes caso a caso, puramente a partir de uma lógica reativa, analisam os padrões criminais, identificam causas comuns subjacentes, definem o que a polícia deve fazer e agem proativamente nessas causas.
Fazer essa mudança requer sair da zona de conforto do modelo reativo e começar a fazer a pergunta sobre qual é a maneira mais eficaz de alcançar os resultados socialmente mais valiosos.
Para isso, precisamos tornar a prevenção mais atraente para as organizações policiais, que os cidadãos a valorizem e exijam, que os políticos vejam as vantagens de promovê-la, que a polícia tenha menos medo do fracasso, e se voltem a ser organizações orientadas pelo aprendizado contínuo e pela busca de resultados.
E isso que que dizemos valer para a polícia, aplica-se às outras organizações do sistema de justiça criminal.
Conseguir fazer com que as organizações de segurança e justiça se identifiquem a prevenção como foco central do seu trabalho, que tenham a coragem institucional de fazê-lo, é, provavelmente, o objetivo mais importante que nós que buscamos aumentar a efetividade das políticas de segurança através do aumento do interesse em políticas baseadas em evidências podemos ter.
Por meio da Plataforma de Evidências buscamos, modestamente, ajudar nessa mudança de paradigma, disseminando modelos preventivos que funcionaram e criticar aqueles que não funcionaram (mas permanecem populares) e fortalecer a comunidade emergente de prática de líderes políticos, profissionais de segurança, acadêmicos e ativistas comprometidos com a efetividade da prevenção e do desenvolvimento.
Escreva-nos para nos contar o que você pensa sobre essas questões, sobre o que está sendo feito e o que mais poderia ser realizado para aumentar o interesse dos formuladores em políticas de prevenção da criminalidade e em políticas baseadas em evidências.
* Rodrigo Serrano-Berthet é o especialista principal em segurança cidadã e justiça da Divisão de Inovação para Servir o Cidadão do BID.