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Gestão por Resultados pode contribuir para a redução da violência no Brasil
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Inspirado em programa da polícia de Nova York, modelo amadureceu e já foi implementado com sucesso por diferentes estados brasileiros
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Tue, 18/10/2022 - 15:24
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O modelo de Gestão por Resultados (GpR), originalmente implementado pela polícia de Nova York em 1994, no contexto da iniciativa Compstat mostrou o potencial que a gestão intensiva e de qualidade pode ter para reduzir os indicadores de violência. As célebres reuniões semanais coordenadas pelo chefe de polícia, William Bratton, com todos os comandantes dos distritos policiais de Nova York, acompanhadas por mapas e indicadores atualizados quase que em tempo real, se tornaram uma referência disseminada rapidamente em todo o mundo.

A ideia desembarcou no Brasil no início dos anos 2000, acompanhando o movimento da Gestão por Resultados (GpR), que se disseminava em diferentes áreas da gestão pública. Mas a experiência brasileira assumiu características distintas. Enquanto nos EUA o modelo tem um foco minucioso no policiamento, chegando a analisar o desempenho individual de cada policial, no Brasil, se tornou um modelo macro de gestão (ver figura 1).

Figura 1: Como funciona o modelo de gestão por resultados

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Características do modelo de gestão brasileiro

Orientado por indicadores, objetivos, rotina de planejamento integrada e prestação de contas, o modelo estimula a integração entre as forças de segurança e tem sido uma ferramenta importante e efetiva para gestores implementarem uma política de segurança coordenada e capaz de chegar até a ponta das corporações.

Em geral, o modelo brasileiro se caracteriza pela criação de áreas integradas de gestão entre Polícia Civil e Polícia Militar, reuniões periódicas de gestão em nível estadual, regional e local, monitoramento intensivo de indicadores criminais e a definição de metas a serem alcançadas. 

Ao longo dos últimos 20 anos, Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo já experimentaram políticas de Policiamento Orientado por Resultados, a maioria com resultados exitosos. (ver figura 2).

Figura 2: Estados brasileiros com programas de Gestão por Resultados

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Uma característica determinante que pode levar ao sucesso ou ao fracasso de programas de gestão por resultados é a liderança dos governadores brasileiros. Ao mesmo tempo em que essa presença traz força política ao modelo, também lhe confere fragilidade, uma vez que mudanças de gestão ou uma identidade política podem afetar sua continuidade após trocas de governo.

Minas Gerais: A Primeira Experiência

O Programa de Policiamento de Resultados, formulado conjuntamente pela Polícia Militar e o Centro de Estudos sobre o Crime e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais, pode ser considerado a primeira experiência do tipo no país. A parceria surgiu no ano 2000, com a necessidade de introduzir inovações institucionais na Polícia Militar e reduzir os altos índices de violência no estado.

Através do programa, a capital Belo Horizonte foi dividida em 25 regiões de policiamento, cada uma sob responsabilidade de capitães das Companhias de Policiamento Militar, como gerentes de segurança pública. Em uma sala com recursos multimídia para apresentação de mapas e tabelas, cada gerente prestava contas sobre a implantação das ações, em reuniões denominadas Encontros de Avaliação do Desempenho Operacional.

Um estudo do programa mostrou que a tendência de aumento dos crimes na cidade, que vinha ocorrendo desde 1995, foi revertida, com uma redução de aproximadamente 5.600 crimes violentos durante os 22 meses de implementação do projeto.

A partir dessa experiência, foi criado em 2005 o Programa de Integração da Gestão em Segurança Pública – IGESP, inicialmente em Belo Horizonte e depois chegando a 56 municípios. O programa unificou as bases de dados das polícias e criou um centro de análise e estatísticas. Uma avaliação de impacto identificou uma redução de 47% nos crimes contra a propriedade e de 16% nos crimes contra a pessoa no primeiro ano de implementação.

Exemplos Promissores no Brasil

Como parte da elaboração do Banco de Evidências da Plataforma, o BID procurou todas as avaliações de impacto sobre Gestão Orientada por Resultados feitas no Brasil. Uma revisão sistemática identificou 13 avaliações de impacto, e todas mostraram que a metodologia estava associada a uma queda significativa nos homicídios nos estados onde foi implementada [1].

Dos 13 estudos, somente dois (o do IGESP de Minas Gerais e o do Estado Presente de Espírito Santo) atingiram o nível de rigor metodológico exigido pela Plataforma de Evidências para inclusão no seu Banco de Evidências (veja o Manual Metodológico).

Entretanto, mesmo os outros casos apresentam indícios e evidências preliminares de que os programas de Gestão Orientada por Resultados são, de fato, promissores, e que seu uso sistemático tem potencial para ajudar os governos a gerar resultados positivos no contexto latino-americano, em geral, e brasileiro, em particular.

Veja alguns destaques dos programas do Espírito Santo, Pernambuco e Rio de Janeiro:

Programa Estado Presente, do Espírito Santo

Lançado em 2011, o Programa Estado Presente, do Espírito Santo, consiste em metas compartilhadas e no monitoramento e avaliação de resultados - do nível operacional ao estratégico - compreendidos por uma dinâmica de reuniões gerenciais.

Uma avaliação do Instituto Sou da Paz apontou melhoria das estruturas de Segurança Pública do estado, desde o aumento de efetivo e integração das forças policiais até o investimento na estrutura do sistema prisional.

Uma avaliação de impacto publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) destaca, ainda, as ações sociais com foco em prevenção e a qualificação do trabalho policial investigativo e de inteligência, como características fundamentais para obtenção de resultados positivos.

O estudo usou a metodologia de controle sintético para determinar o impacto do programa de forma comparativa (ver figura 3). Um grupo de controle foi criado, com base em variáveis que se assemelham às características do grupo de tratamento, ou seja, usando indicadores semelhantes aos do estado do Espírito Santo, para estimar o que teria acontecido se o programa não tivesse sido implementado.

Figura 3: Número de homicídios comparado com grupo de controle

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Entre 2010 e 2014, houve diminuição de 10,2% no número de homicídios do estado. Se não fosse o Estado Presente, a pesquisa indica que, no mesmo período, o número de homicídios teria aumentado 29% (ver figura 4).

Os custos financeiros da implantação da política também foram avaliados e se estima que, a cada real investido no programa, foi gerado um ganho de bem-estar social equivalente a R$ 2,40 [2].

Figura 4: Principais resultados do programa Estado Presente

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Programa Pacto Pela Vida, de Pernambuco

O Pacto Pela Vida (PPV) é uma política pública do estado de Pernambuco, regulamentada pela Lei 14.024/2010. Uma das suas principais características é o envolvimento não só das instituições de segurança pública, mas de diversas secretarias e órgãos municipais, estaduais e federais e da sociedade civil na implementação de ações de prevenção à criminalidade.

O programa é focado na gestão e monitoramento permanente de ações e resultados e tem como meta básica reduzir em 12% ao ano as taxas de mortalidade violenta intencional. Para isso, o estado foi dividido em 26 áreas integradas, supervisionadas por um Comitê Gestor, que se reúne uma vez por semana. Os policiais que atuam nas áreas do programa recebem incentivos em forma de prêmios, gratificações e bônus.

Em termos de resultados, se estima uma redução de 9,1 pontos percentuais na taxa de homicídios do estado, o que se traduz em 2.213 vidas poupadas entre 2007 e 2011. Isso equivale a uma redução de cerca de 17,3% em relação ao número de homicídios registrados em 2007, ano da implementação do PPV [3] (ver Figura 5).

Atualmente o programa se encontra em fase de revisão para aprimoramento e relançamento.

Figura 5: Principais resultados do programa Pacto Pela Vida

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Sistema Integrado de Monitoramento do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, o Sistema de Metas e Acompanhamento por Resultados, ou SIM, como é mais conhecido, trabalha para reduzir os indicadores de criminalidade pré-estabelecidos.

Lançado em 2009, o programa está centrado na integração do trabalho das polícias, promovendo uma cultura de gestão que privilegia a análise criminal, por meio do planejamento e reconhecimento do desempenho dos agentes, bem como difundindo boas práticas.

Em um relatório que avaliou dados do programa entre 2009 e 2015, o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) destacou aspectos fundamentais que contribuíram para a obtenção de resultados positivos, como a criação de um banco de dados transparente e acessível sobre os indicadores de Segurança Pública do estado, coordenado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), e o comprometimento das lideranças políticas e do sistema de segurança.

O estudo do Insper também avaliou como as bonificações semestrais para metas atingidas no combate à criminalidade influenciam o trabalho policial e afetam o comportamento das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISPs), as divisões territoriais do estado que definem o trabalho de integração das polícias Militar e Civil.

A análise mostrou que “o atingimento de resultados parciais satisfatórios ao longo do semestre está associado a menores taxas de criminalidade nos períodos subsequentes” [4]. Os autores, porém, chamam a atenção para a necessidade de se lidar com o desestímulo e frustração das unidades que não conseguem atingir suas metas.

Nos sete anos anteriores à implementação do SIM, a taxa de homicídios anual no Rio de Janeiro, que já se encontrava em queda, registrava média de 7.839 casos por ano. De 2009 a 2014, a média foi de 4.967 mortes, um número 36,7% menor [5] (ver Figura 6).

Figura 6: Principais resultados do Sistema Integrado de Monitoramento

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Conclusão

As evidências mais rigorosas dos casos de Minas GeraisEspírito Santo, e as mais preliminares dos casos de PernambucoRio de Janeiro e outros estados, respaldam o argumento de que a Gestão por Resultados pode contribuir para prevenir a violência e criminalidade.

Os estudos indicam que este tipo de programa é promissor, e que seu uso sistemático pode fortalecer a efetividade das políticas de segurança pública, gerando resultados positivos que ajudam a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

Referências

  1. Kopittke, A. L. W. (2020). Segurança Pública baseada em evidências: a revolução das evidências na prevenção à violência no brasil e no mundo. Tese de Doutorado [Doutorado em Políticas Públicas].– Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2020.
  2. Silva-Neto, R.; Cerqueira, D.; Coelho, D.; Lins, G. (2020) Texto para Discussão. Uma avaliação de Impacto de Política de Segurança Pública: o Programa Estado Presente do Espírito Santo. IPEA.
  3. Silveira Neto, R.; Ratton, J.; Monteiro, C. (2014). Avaliação De Política Pública Para Redução Da Violência: O Caso Do Programa Pacto Pela Vida Do Estado De Pernambuco. Anais do XLI Encontro Nacional de Economia. ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós Graduação em Economia.
  4. Cabral, S.; Firpo, S.; Costa, M. M. da; Viotti, L. (2016). Relatório final de pesquisa para a Fundação Brava. Avaliação do sistema de metas e acompanhamento dos resultados da segurança pública no estado do Rio de Janeiro. INSPER Metrics. 
  5. Números baseados nos dados do Relatório Sou da Paz.