Texto de: Rodrigo Pantoja
A reincidência criminal por pessoas que passam pelo sistema prisional é um problema sério, oneroso e que afeta todas as sociedades. As teorias penais têm enfatizado a importância do sistema de controle para evitar que os indivíduos se envolvam em crimes e para “reeducar” ou “ressocializar” sujeitos que passam por medidas restritivas ou de custódia.
No entanto, os estudos científicos sugerem que a mera aplicação de sanções privativas de liberdade não reduz, mas aumenta, a probabilidade de que as pessoas continuem a persistir no comportamento antissocial quando retomarem suas vidas em comunidade.
Desde a segunda metade do século XX, a área da criminologia empírica tem trabalhado intensamente para resolver esse problema, fundamentando-se em estudos científicos longitudinais e experimentais. Esta linha de pesquisa levou a grandes avanços.
Atualmente, contamos com informações confiáveis sobre as variáveis ou condições pessoais e sociais que estão associadas ao comportamento criminoso.
Essas variáveis, chamadas de “fatores de risco” devido à sua correlação com a probabilidade de comportamento futuro, têm diferentes níveis de impacto sobre o comportamento nas diversas fases do ciclo de vida.
Por exemplo, estudos longitudinais que têm acompanhado o desenvolvimento de crianças em risco nos Estados Unidos ao longo de 20 anos, sugerem que o uso de substâncias psicoativas é um dos fatores que oferece o maior risco de comportamento antissocial futuro, se o uso ocorrer no período entre 6 e 11 anos de idade. Contudo, quando o consumo começa a partir dos 12 anos ou mais, o risco marginal de comportamento delituoso associado ao uso é significativamente menor.
No campo da prevenção da violência e da criminalidade na infância e adolescência, destaca-se a experiência da implementação da "Terapia Multissistémica" no Chile. Este modelo terapêutico foi adoptado em 2012 como o primeiro componente do que é hoje o "Sistema Lazos", um modelo integrado de prevenção da violência e da criminalidade baseado em evidências científicas.
A Terapia Multissistémica é uma intervenção familiar destinada a ativar a capacidade protetora das famílias, reduzindo a exposição dos adolescentes a condições de risco, bem como o seu envolvimento em comportamentos de risco. Essa intervenção é implementada seletivamente com adolescentes com maior probabilidade de se envolverem em comportamentos antissociais. Os resultados no Chile revelam que este modelo de terapia reduz significativamente os "fatores de risco" dos beneficiários e, em casos de maior probabilidade de comportamento antissocial, reduz significativamente a probabilidade de registar novos crimes, segundo bases de dados oficiais.
Conhecer os fatores de risco mais relevantes é importante porque permite priorizar as necessidades de cuidado da população carcerária.
Por exemplo, a associação com pares antissociais e aspectos cognitivos e de personalidade antissocial são os fatores de risco mais relevantes como preditores de reincidência na população adulta. Enquanto isso, melhorias no nível de escolaridade e empregabilidade contribuem de forma moderada para reduzir o risco de reincidência. No entanto, o tratamento prisional e as políticas de reintegração social na América Latina tendem a promover a educação, a formação profissional e o acesso ao emprego como as principais soluções na perspectiva de apoiar a integração social e reduzir a reincidência.
Evidentemente, a melhoria dos níveis de educação, formação profissional e acesso ao emprego são ações necessárias e importantes porque contribuem para o processo de integração social, ajudam a redimir as penas ou a aceder aos benefícios prisionais e constituem em si mesmos o exercício dos direitos sociais. O problema surge quando se espera que a educação e o emprego produzam reduções significativas na reincidência em circunstâncias em que a contribuição desses fatores é apenas moderada.
Recomenda-se que as instituições que regem a função penitenciária estejam atentas aos achados de pesquisas científicas sobre os fatores que predizem a reincidência e sobre os métodos de intervenção mais eficazes na redução desse fenômeno. Por exemplo, a aplicação de certos tipos de terapia cognitivo-comportamentais junto à população carcerária pode estar associada a uma redução de 12% a 25% na probabilidade de reincidência. Embora o efeito seja relativamente baixo, o tratamento geralmente é mais eficaz em casos de maior risco. O segmento de alto risco da população prisional é, ao mesmo tempo, frequentemente o grupo mais ativo de delinquentes quando se encontram na comunidade; sendo capazes de causar um número desproporcionalmente elevado de vítimas. Assim sendo, o efeito relativamente baixo na redução do número de reincidentes pode traduzir-se num efeito relativamente elevado em termos de vitimização, devido ao enorme número de pessoas que deixam de ser vítimas de crime devido à interrupção dos padrões de infração.
Os conhecimentos sobre fatores de risco e métodos de tratamento eficaz para reduzir a probabilidade de reincidência já começou a ser aplicado na América Latina. O Chile iniciou, em 2007, um programa piloto que alcançou uma redução de 30% na reincidência na população prisional de risco moderado e alto. Atualmente, a avaliação sistemática do risco de reincidência e a aplicação de tratamentos especializados para motivar mudanças de comportamento e modificar fatores de risco fazem parte das políticas nacionais de gestão penitenciária.
Essas mesmas práticas começaram a ser aplicadas há dois anos no sistema prisional do Uruguai e vem sendo aplicadas pela Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo, no Brasil, através do programa "Moderniza-ES", financiado pelo BID.
É encorajador perceber que a incorporação de conhecimento e tecnologia pode possibilitar ter sistemas prisionais mais preocupados em cuidar das oportunidades de integração social dos presos e, além disso, melhorar a capacidade de contribuir para a segurança da sociedade como um todo, reduzindo a probabilidade de reincidência das pessoas sob responsabilidade das instituições penitenciárias do sistema de justiça.
*Rodrigo Pantoja é especialista setorial sênior em Segurança Cidadã e Justiça do BID no Brasil